Existe um problema sério no mercado brasileiro de startups. Quando percebemos esse problema há pouco mais de um ano, andamos no que todos considerariam a contra-mão do mercado e reduzimos muito nossas previsões para as novas chamadas, além de passarmos a aceitar menos empresas na Aceleradora. Passamos também a reduzir a participação em eventos que não fossem focados em capacitação, e passamos a fazer nossos próprios eventos com palestras e mentoring. Pra que tudo isso?

Porque enquanto o mercado financeiro está preocupado com a bolha nos IPOs, os VCs e angels preocupados com a bolha de valuation das startups, nós aqui da Aceleradora estamos preocupados com a bolha de empreendedores.

Problema 1 – Falta de boas referências

Empreender não é fácil. Criar uma startup não significa ter uma ideia, juntar um time, pagar R$ 15 mil por um MVP feito em 10 dias, fazer um canvas e procurar investimento. É provar a si mesmo com números, um dia de cada vez, que a estratégia de hoje está convertendo mais vendas que as anteriores, e os custos não estão crescendo na mesma proporção. Isso literalmente é a busca por um modelo de negócios escalável e repetível.


Startupeiro pegando carona com a mídia no maravilhoso mundo das startups

A mídia passou a dar grande atenção às startups, e hoje você ouve falar disso em todos os jornais e revistas, em video ou impressos. O problema é que a mídia não está preocupada em diferenciar referências boas das ruins – ela quer contar histórias que dão audiência. E o que o empreendedor precisa não é dar audiência para a mídia, mas sim de exemplos concretos de como sua startup pode dar certo. Empreender é 99% transpiração, e 1% inspiração.

Problema 2 – Eventos sem capacitação

Cada vez mais pessoas sem nenhuma (ou com muito pouca) experiência empreendedora montam eventos para atender à demanda motivacional dos empreendedores iniciantes. Obviamente, quem está começando quer reforços de que está no caminho certo… e se alguém quer alguma coisa, basta cobrar para entregar o que ela quer. É isso que vem alimentando as dezenas de eventos de “Encontre investidores”, “Faça seu pitch” e rodas de negócios que quase nunca vão levar a um resultado útil. Já fazem até tirinhas sobre isso.


Empreendedor recebendo os parabéns em uma competição de startups

O problema com eventos que incentivam a motivação e o empreender per se, é que empresas são formadas de sócios, negócios, contratos de venda e todas as dificuldades que aparecem quando uma startup começa a crescer. Só que após o evento, não existe apoio com consistência para suportar o resultado das dezenas de apps e features criadas… que não resolvem o problema de ninguém. Frequente eventos de capacitação e networking, e cuidado com os tapinhas nas costas pela sua ótima ideia.

Problema 3 – Foco demais em investimento

Um outro problema decorrente de eventos como esses é o foco excessivo em levantar investimentos. Investidores até gostam da ebulição na cena de startups, mas a oferta de projetos é tão grande que não há diferenciação ao aborda-los. Você e mais 23 outras pessoas vão falar rapidamente com o investidor e trocar cartões, mas assim como na balada, assediar alguém explicitamente dizendo “eu quero o que você tem” raramente gera um resultado eficiente.


Dando uma lustrada nos slides para mostrar ao investidor

O que piora essa situação no Brasil é a cultura paternalista em relação ao dinheiro: ela gera um tsunami de pessoas que acham que empreender é ter uma ideia e bater na porta de consultores, aceleradoras e investidores pedindo “ajuda para transformar essa inovação em um negócio multimilionário”… E cada vez com menos critério, devido à disseminação de conceitos errados pela mídia (como a chamada do Fantástico “um anjo pode estar nas ruas aguardando com R$ 100 mil em troca da sua ideia”).

E agora?

Se você acha que estamos exagerando, até a Inc.com decidiu falar sobre isso (você pode ler mais aqui). Lendo o artigo, acho que finalmente temos um momento em que o Brasil não está atrasado em relação aos EUA: a corrida do ouro dos novos empreendedores.

Sim, empreendedores podem mudar o mundo. Mas se usarmos uma visão capitalista, assim como uma linguagem de programação é uma ferramenta para um programador criar um site na Web, empreendedores são ferramentas para VCs fazerem dinheiro… (você não quer um aporte? Então!) Se considerarmos um Hype Cycle de empreendedorismo no Brasil, estamos chegando ao Pico das Expectativas Infladas:

Agora é se capacitar, trocar informações e aprender – mas sempre lembrando que as chances de você estar errado são de 99,99%. Meetups, palestras, treinamentos e até mesmo o grupo de startups da Ledface podem ajudar, desde que não estimulem sua auto-indulgência – e sim desafiem você a provar que está errado e melhorar sempre.

Na Aceleradora, não vamos parar de contribuir com mentoring e capacitação para empreendedores em todo o Brasil, mas devido à bolha de empreendedores, decidimos que a chamada de setembro foi nossa última chamada aberta de startups. A partir de agora, vamos ser muito mais criteriosos ao escolhermos projetos para aceleração: é o único jeito que encontramos para gerar resultados em menos tempo, e também para encarar o Vale da Desilusão que se aproxima.

Winter is coming.