Mantendo a transparência de sempre, segue a entrevista completa que dei por email ao Estadão/Caderno Link a pedido da jornalista Ligia Aguilhar da Cruz, cuja versão online está aqui. Já ajudo jornalistas em matérias sobre startups há anos, mas essa foi a primeira vez que minhas respostas ficaram um pouco fora de contexto e podem dar margem a interpretações. As perguntas estão em negrito.

——8< ------- 1. Qual a sua opinião sobre o programa Startup Brasil e qual o impacto que você acredita que esse programa pode ter no ecossitema de startups brasileiro?
O Startup Brasil se encaixa no contexto do TI Maior (http://timaior.mcti.gov.br/), um programa bem abrangente que ainda irá envolver outras ações tão grandes quanto o Startup Brasil. Se entendi bem a estratégia proposta pelo programa, o impacto desse primeiro edital é iniciar a interlocução do governo junto às startups e o novo empreendedorismo digital, em paralelo a uma tentativa de profissionalizar o mercado nacional de aceleradoras. Somente isso já é uma ação importante.

2. Esse é o tipo de iniciativa do governo que o mercado precisava? Por que?
Toda iniciativa governamental que visa o desenvolvimento do mercado é importante, mas existem opiniões controversas sobre o que exatamente o mercado precisa. Há inclusive os que defendem que o governo não deveria subsidiar startups, mas sim trabalhar para reduzir a burocratização para criar e fechar empresas, além de criar incentivos fiscais para investidores anjo – deixando assim que o próprio mercado se regule e defina quais startups falham ou têm sucesso. Ao menos um dos ajustes do programa foi acertado: o governo permitiu que a iniciativa privada participe e influencie a escolha e distribuição das startups.

3. Que tipo de apoio as startups brasileiras precisam no cenário atual? Há muita gente que diz que não é toda startup que precisa de aceleração e por isso critica o programa. Você acha que esse é o modelo ideal? Ainda estamos longe de ter um sistema que beneficie de forma ampla as startups nacionais?
Startups nem sempre precisam de apoio – precisam é de receita, de definir um negócio e transforma-lo em uma pequena versão funcional da empresa que querem criar, antes mesmo de pensar em recorrer a capital de risco. A valorização excessiva do capital pelo empreendedor cria uma dependência de um fator externo, e transfere o sucesso do empreendedor para algo que está fora do controle: ser escolhido por um investidor, ou receber seu sonhado aporte do Startup Brasil. Isso irá gerar um volume massivo de propostas que não são passíveis de investimento, e criar muita expectativa no meio empreendedor.

Dito isso, eu participei das discussões para criação do edital lideradas pelo MCTi em conjunto com outros investidores e aceleradoras, e nesse processo era nítido que jamais se chegaria a um consenso sobre o modelo ideal. Na metodologia das startups, o Startup Brasil é hoje um MVP – um produto mínimo viável -, uma versão beta da articulação formal do governo para startups. O modelo será adaptado e refinado a várias mãos ao longo do próximo ano, e ações em outras esferas irão complementa-lo. Vamos torcer para que o resultado seja super positivo.

4. A divulgação das aceleradoras escolhidas gerou muito polêmica. Qual sua opinião sobre o resultado e questões como a escolha de aceleradoras desconhecidas e a concentração na região sudeste? Isso terá impacto negativo no resultado que se espera do programa?
Não há como fugir da concentração na região sudeste, dada a maturidade das economias digitais já presentes nessas regiões. O governo usou critérios muito claros para pontuação dos projetos, e a polêmica sobre a falta de histórico de alguns escolhidos não é justificada pois o histórico de aceleração era apenas um desses critérios. Se o empreendedor não concordar que uma aceleradora deveria estar lá, basta submeter seu projeto para outra ou não participar do edital.

5. Como você avalia o programa em comparação a programas criados pelo governo de outros países? Você comentou sobre a questão de cada ecossistema ter necessidades diferentes. Ainda assim, considerando essas diferenças, conseguimos traçar um paralelo com outras iniciativas?
É muito difícil comparar iniciativas tão diferentes. O Chile decidiu separar a fatia de um imposto para sustentar o Startup Chile, os Estados Unidos criaram o Startup America que é uma parceria público-privada com forte influência no legislativo, Singapura tem fortes incentivos para investidores, e dezenas de paises da Europa e Ásia têm programas fortes de integração entre startups, incubadoras públicas, parques tecnológicos e capital de risco. Dessa forma, o Brasil jogou seguro: criou um programa para se posicionar, mas com uma mecânica de financiamento e origem de capital que não foge à sua tradição na política pública de fomento à inovação.

6. Podemos considerar esse o primeiro grande programa do governo de apoio a startups? Alguma outra iniciativa foi mais acertada nesse sentido?
Ao definir que qualquer empresa formalizada com menos de 3 anos e buscando uma inovação seja uma possível candidata ao Startup Brasil, o governo irá permitir que se misturem tanto MPEs quanto startups na fila de inscrições. Assim, se a banca avaliadora não distinguir entre startups e micro-empresas nascentes, o Startup Brasil ficará muito similar ao Prime (Primeira Empresa Inovadora, programa da FINEP de 2010). As diferenças seriam a verba do CNPq ao invés da FINEP, mecânica diferente de desembolso (bolsas ao invés de consultorias) e acompanhamento de projetos realizado pela iniciativa privada (as aceleradoras). Portanto, o Startup Brasil seria o segundo grande programa público de apoio a startups.

Sobre a iniciativa ser acertada, a avaliação de sucesso só será possível após entender o mix de empresas aprovadas. Como a taxa histórica de mortalidade de startups é de 90% no primeiro ano, o resultado do programa será totalmente diferente caso micro-empresas com negócios já provados também sejam aprovadas pelo edital.

——– 8< ---------- Abraço a todos, -- Yuri Gitahy