Nessa semana de Techcrunch50, reparei que tivemos um único brasileiro no DemoPit: o Hytle do José Rodolpho Bernardoni…
Essas coisas me fazem repensar se o Brasil é mesmo o país do futuro em inovação e empreendedorismo, e se são mesmo os nossos geeks e nerds que levantarão as startups desse país. Retirado de um post antigo:
Será essa diferença na essência nerd que faz os geeks americanos serem mais tecnologicamente avançados que os brasileiros? A falta de outros interesses, a pouca sociabilidade, a necessidade de afirmação e aceitação, a cultura competitiva americana e o fácil acesso à tecnologia? Não sou sociólogo, então mantenho minhas teorias para mim mesmo.
Pensei um pouco mais, e acho que não. O geek americano não é mais o mesmo… Afinal, grandes milionários americanos na Internet têm menos de 30 anos e fazem parte da geração Y – totalmente diferentes do protótipo já caduco do geek. O mesmo aconteceu no Brasil: o geek brasileiro faz aula de forró, toma cerveja, fez tatuagem e tem namorada.
Além disso, decidi deixar de lado a comparação com os americanos – ela é injusta. Lá existe o Vale do Silício, VCs, um mercado maduro e um acesso muito facilitado a recursos tecnológicos de qualquer natureza. Por mais desvalorizado que o dólar esteja, não dá pra comparar inovação criada por brasileiros e americanos no atual contexto mundial.
Então pensei em gastar um tempo para comparar o brasileiro com povos de países mais parecidos com o nosso. Que perfil de jovens, estudantes ou empresários encontramos em países em desenvolvimento, e como eles geram inovação?
[ Chave 1: Cultura em tecnologia ]
Você vai falar “Cultura em tecnologia? Ah, isso nós temos!”. Temos mesmo? Só porque nosso mercado é internamente bem desenvolvido, isso significa que nossa população tem acesso amplo à tecnologia? Os países do BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – são considerados hoje as maiores potências entre os países em desenvolvimento. Mas onde você vê maior potencial para inovação: no Brasil, Rússia, Índia ou China? Está na cara que ficamos no 3.o ou 4.o lugar (eu aposto no terceiro). A Rússia teve seu papel de destaque no mundo científico durante a guerra fria, mas o desmembramento da União Soviética em 1991 diluiu esse conhecimento entre os vários países resultantes.
Se Rússia está em 4.o e Brasil em 3.o, quem fica no 1.o e 2.o? Não é muito difícil.
Livros como “O Elefante e o Dragão” tentam entender o mistério da Índia e China, com suas culturas tão particulares e um manancial de pessoas cada vez mais bem educadas. Um outro livro sobre o mesmo tema é “Building a Future with Brics“, que estuda diversas empresas para focar no potencial dos BRIC em offshore outsourcing (que cá entre nós, já está virando assunto do século passado).
Então vamos pensar nos nossos concorrentes, especificamente os indianos. Com uma grande tradição em serviços de baixo valor agregado – como call-center, helpdesk ou outsourcing de processos em RH e outras áreas – a Índia está saindo do BPO e indo para o KPO – do outsourcing de processos de negócio para o outsourcing de processos do conhecimento. Isso significa um redirecionamento gradual de esforços, mas já dominando uma grande fatia do mercado…
De repente, especialistas no mercado indiano começam a avisar que o offshoring como é conhecido hoje não dura muito, devido à forte inflação dos salários e ao aumento na competitividade. O empresariado da Índia não é inocente, e tratou de usar o potencial da China em TI a seu favor: passou a quarteirizar projetos para os vizinhos chineses, ao invés de competir com eles. Em outras palavras, abrem filiais na China e pagam chineses para fazer o trabalho que os indianos já estão caros para fazer.
Como você enxerga um jovem indiano nesse contexto? Suas expectativas incluiriam salários melhores e ganhar mais bagagem científica e tecnológica. O chinês, por sua vez, vem formando um mercado forte em tecnologia – por exemplo, a China já ultrapassa a Índia no número de empresas avaliadas com CMMI, um indicativo claro de preocupação com governança em software.
É nesse caminho que aparece a primeira hipótese: para quem é mais fácil inovar? Quem tem dinheiro em caixa, experiência internacional em negócios e toda uma política orientada ao incentivo da tecnologia (há décadas), ou quem ainda está se perguntando sobre como criar uma cultura inovadora? Isso mostra que a Índia tem uma grande dianteira, e tem mais chances de bater o Brasil nessa.
[ Chave 2: Determinação ]
Você pode argumentar: “mas a Índia tem uma distribuição de renda pior que o Brasil, então como considerar isso um ambiente propício? No máximo, uns 10% ou 20% do país devem possuir formação acadêmica…”. E eu já te ajudo: a população INTEIRA do Brasil é menor que 20% da população indiana. Vai encarar? Claro que o número de pessoas não significa mais inovação, mas aumenta a probabilidade de encontrar alguém com mais visão que a média. Quer um exemplo prático do poder de um único inventor devidamente motivado? Um psicólogo que vinha vencendo especialistas em TI do mundo todo no desafio da Netflix.
A China parece ir pelo mesmo caminho, com uma taxa de crescimento altíssima devido a um fator histórico: vem saindo de um estado de dormência econômica para uma forte evolução na indústria e mercado global. A China se transforma a cada dia, em uma velocidade muito alta.
Pra fechar a discussão dos BRICs, o que podemos afirmar que um possível jovem empreendedor ou inventor da Índia e China têm em comum para inovar? Eu vejo uma determinação forte para vencer um passado estagnado, romper uma cultura retrógrada e permitir um futuro promissor. Quantos jovens brasileiros você vê ao seu lado com uma característica marcante de determinação? (dica: procure no orkut, eles devem estar ocupados por lá).
[ Chave 3: Educação de qualidade ]
Essa é um pouco óbvia, então não preciso falar muito. Para exemplificar, há alguns meses falou-se muito na Finlândia como um exemplo de educação de qualidade. Tanto a Veja quanto o Wall Street Journal trataram do assunto, abordando as particularidades do sistema de ensino finlandês.
Essa é uma escola ruim no Brasil
Essa é uma escola ruim na Finlândia
Essas duas imagens devem ajudar você a pensar… O que é possível copiar e implantar no Brasil? Vale a pena copiar? Vai funcionar? A propósito, nem venha me falar que finlandeses também matam na escola, porque isso não é privilégio só deles.
Educação de qualidade não é somente dotar o aluno de conhecimento. É fazê-lo entender seu lugar no mundo, preparando-o para usar esse conhecimento em benefício próprio e da sociedade. Ensiná-lo a raciocinar, conectar idéias, trabalhar em equipe e amadurecer sua relação com o conhecimento. Agora olhe para o seu passado e responda: você via sua escola trabalhando dessa forma?
Já existem idéias exemplares para melhorar a qualidade da educação brasileira. Falta torná-las dispersas e atingir toda a população (mesmo os que não possam pagar por elas).
[ Chave 4: Saúde e qualidade de vida ]
Dificilmente alguém vai criar inovação com fome ou morrendo de dengue. Mas a Índia e China também passam por isso, certo? Então vamos considerar esse um ponto passivo em todos do BRIC, dado que os quatro são países em desenvolvimento.
[ Conclusões ]
Não dá pra concluir muita coisa a partir de um monte de hipóteses. Mas essas coisas também não fazem sentido pra você?
Cá entre nós, o que o Johnny Lee tem de tão inteligente que nosso estudante médio de mestrado não tem? Marketing pessoal e senso de oportunidade? O que faz um cara como Eskil Steenberg sair do seu estado de conforto no 1.o mundo da Suécia, e criar sozinho um projeto audacioso totalmente baseado em open-source? Não são só americanos, os europeus também têm idéias boas… Parece que a educação do país realmente tem um papel importante na criação de inovação.
Será que iniciativas como essa ajudam a resolver o problema? Afinal, pra que ensinar tanto se somos um país que volta e meia produz um menino-prodígio, gente?
O problema está no mercado corporativo da educação focado no lucro? Na ineficiência do filtro do vestibular? Será que não é inevitável 20% dos alunos serem realmente bons, e 80% serem passageiros? É possível ensinar uma pessoa a ser inteligente, ou propiciar mais inteligência em um curto espaço de tempo?
Uma última pergunta: será que a inteligência é a chave principal? E o que é inteligência – complexidade, simplicidade ou a combinação ponderada das duas? Pra pensar nisso, veja o vídeo abaixo e repare como uma mente determinada, criativa e experiente pode criar coisas simples e eficientes, mas que muitas outras pessoas mais inteligentes não conseguiram entender.
0 Comments on "Como inovar, se você nasceu no Brasil?"
Diego Gomes
18/09/2009Interessante a discussão. Além dos aspectos levantados, tem mais um ponto que gostaria de mencionar. O Brasil tem um mercado muito diferente e um pouco atrasado em relação ao consumo de tecnologia com relação ao primeiro mundo. Por isso um modelo comum de empreendedorismo (e de inovação de processos também) é replicar modelos já comoditizados lá fora e adaptar aos gostos e hábitos do nosso povo, ou a maneira local de fazer negócios. Players internacionais, na maioria dos casos tem dificuldade de conhecer o mercado e se adaptar a ele. Os digg likes brasileiros, o Camiseteria, nossos meios de pagamento online, todos surgiram muito depois das respectivas inspirações e com posturas bastante adaptadas ao cenário nacional. O Threadless por exemplo é um site de camisetas popular nos EUA, e aqui o Camiseteria já tem um público mais elitizado e menos massificado, com um atendimento de alta qualidade, por se adaptar a um público mais abastado que compra na web a menos tempo, independente do fato de o Threadless fazer entregas no Brasil.
Um aspecto interessante ( e muito positivo ) é que cada vez mais rápido os ciclos de adaptação acontecem. Levou menos de um ano para aparecer o primeiro twitter clone no brasil, o Gozub e já apareceram outros.
O cenário fica cada vez mais competitivo e saturado. Darwin se encarrega de selecionar o que é relevante e sustentável do que é apenas uma adaptação oportunista.
E isso é bom porquê prepara os verdadeiros empreendedores para se diferenciar, preparar e inovar para competir num cenário cada vez mais concorrido.
kenji
18/09/2009mude a lei do bem prá contemplar quem tem lucro presumido e vc vai ver mais inovação no brasil ;)
Mateus Bicalho
18/09/2009Você mandou muito bem neste post. Dos fatores que você citou, daria destaque para a educação e cultura em tecnologia, que , na minha opinião, é consequencia do primeiro. Quanto mais defasados nestes dois, menos novidades. Outro ponto, que também acho importante, é a "cultura consumista", o americano consome MESMO! Quanto maior a cultura consumista maior será a chance de um negócio prosperar. No Brasil, estamos começando uma fase mais consumista devido a facilidade ao crédito, mas nada que se compare aos EUA, por exemplo. Se temos uma consumo alto, maior a determinação em se abrir o próprio negócio, e por tanto mais novidades no mercado.
Peçanha
18/09/2009O bom de um post com mais perguntas que respostas é que fica bom para a discussão.
Acho que o brasileiro sofre de uma crise de comodidade e uma supervalorização do emprego (eu, como recém CLT, estou vendo isso), o que faz com que várias pessoas prefiram se tornar ótimos empregados do que arriscar empreender e isso diminui o montante de inovação. Me assusta como a ideia de se tornar funcionário público é amplamente aceita como sonho de muitos.
Somando isso à quantidade de dificuldades relacionadas ao governo, impostos, acesso à tecnologia, estudo, etc, o incentivo à inovação e empreendedorismo é ainda menor. Acho que esses fatores levam a esse cenário em que até mesmo quem arrisque empreender fique dentro de uma zona de segurança criada por modelos já instituídos lá fora.
Acho que o segredo é o empreendedor começar a observar melhor o que o Brasil tem de peculiar para buscar diferencial e criar algo inovador. E eu concordo com o Diego que, pelo menos, estamos avançando e o gap com o "primeiro mundo" está se tornando menor.
Fabiano Cancela
18/09/2009Excelente post Yuri. Gostaria de fazer uma consideração sobre o que é criatividade/inteligência a partir do vídeo: A narração fala o tempo todo sobre como aquele senhor é criativo e conseguiu uma solução extremamente simples para um problema complicado. Mas analisando melhor, a solução que ele desenvolveu é na verdade muito elaborada apesar de usar apenas paus e pedras. Ele só conseguiu chegar aquele resultado por que tinha experiência com estruturas de madeira, trabalho com cargas pesadas e conhecia bem as forças em jogo. Alia-se ao seu conhecimento técnico a obstinação sobre um problema, e ele desenvolve um mecanismo engenhoso mas que parece simples ao vermos em funcionamento.
É o caso da famosa estória da Madame que pede à Pablo Picasso um retrato. Ele num gesto rápido e preciso traça as feições da mulher e lhe entrega a tela em menos de um minuto. Diz a ela então o preço astronômico que aquela obra custaria e a mulher questiona: "Tudo isso? Mas o senhor levou apenas 1 minuto para pintar meu retrato". Picasso responde: "Não senhora. Eu levei a minha vida inteira."
João Pedro Resende
18/09/2009Belo post Yuri, parabéns.
Realmente está claro que dentre o BRIC, o Brasil não está bem colocado no quesito capacidade de inovação.
Nossa cultura é muito mais focada em ver o que deu certo lá fora, e trazer pra cá em um formato que seja mais adequado para que nosso público consiga digerir. O problema é que seguir neste modelo significa estar sempre um passo atrás de China e Índia; isso sem contar o enorme “gap” que ainda existe com relação aos países desenvolvidos.
Acredito que o ponto chave para começarmos a encurtar esta distância é realmente a Educação. Mas estou falando de algo que vai muito além de salas com móveis novos, e professores bem preparados e bem pagos.
Estou falando de um modelo de ensino completamente diferente do que temos atualmente. Diferente inclusive do modelo dos países de primeiro mundo.
Estou falando de um modelo onde o foco não é mais “enfiar conteúdo” no aluno e depois medir o quanto daquilo ele absorveu. O novo foco está em capacitar o aluno para se entender e se adaptar à mudanças e resolver problemas, e para isto o aluno deve “aprender a aprender”.
Já existem algumas escolas adotando sistemas diferentes e que tem gerados bons resultados, como é o caso da KIPP (http://www.kipp.org).
Penso que se quisermos de fato criar uma “cultura de inovação” no país, o primeiro ponto é realmente inovar na educação. E pra superarmos os outros países do BRIC, e alcançarmos os países desenvolvidos, esta mudança tem que ocorrer ANTES deles, caso contrário continuaremos seguindo a tradição do “copy & paste”.