Acho que já chega de bater no empreendedor brasileiro.
Centenas deles tentam todos os dias iniciar seus projetos de um jeito quase descuidado. Os mais experientes comentam da falta de foco, ausência de objetivos claros e o fato de não saberem transformar produto em dinheiro. Argumenta-se que o empreendedor brasileiro não se compara ao americano, que não aprende com exemplos, que não está aproveitando as oportunidades para se educar melhor, que precisa compreender o que é ser competitivo de verdade… Que aplicações e “produtinhos” não são negócios com potencial, que os planos de negócios apresentados nas competições cometem erros básicos, e que é preciso modelos mais coesos e economicamente viáveis. Sugere-se que sejam um pouco mais esforçados e façam seu trabalho de casa.
Críticas construtivas e sugestões de leitura ajudam, mas é a prática constante que cria bons empreendedores… Demandar que se auto-eduquem é um ato unidirecional e que não vai resolver o problema em escala. O pior é que aulas, cursos e palestras também não. Eles aparam arestas e reforçam comportamentos positivos, mas não são capazes de formar bons empreendedores. A prática é.
Ser um bom empreendedor é um exercício constante de se considerar alternativas e praticar novas táticas que aumentem suas chances de sucesso – até que se redirecione o projeto para algo mais viável. Empreender é um trabalho retro-alimentado, e o ser humano é uma maquininha bem ruim para mudar seus hábitos racionalmente. O que posso fazer diferente? Como não cometo o mesmo erro? Essas perguntas raramente aparecem durante um projeto, e sim após seu fracasso. Isso acontece porque falhas geram aprendizado concreto, e aprendizado evita erros futuros. Falhas causam um efeito cognitivo e emocional bem mais forte que o sucesso, nos fazendo perceber que somos humanos e que nossa razão não foi capaz de detectar ou resolver problemas (até quem dá aula em Harvard sabe que é bem mais difícil aprender com o sucesso). E como a educação tradicional avalia as falhas? Penalizando a pontuação do aluno e aumentando sua distância do prêmio.
Ao apontarem as falhas do empreendedor, muitos empresários, acadêmicos e empreendedores experientes se tornam menos disponíveis, esperando ou exigindo que o empreendedor melhore por conta própria. Isso não é reforçar seu sucesso, e sim penaliza-lo pelo fracasso. De que adianta enaltecer tanto o cenário americano de empreendedorismo, se focar nos erros do empreendedor brasileiro é exatamente o oposto do comportamento americano que você tanto valoriza? Porque é esse o valor do Vale do Silício: há espaço, comunidade e capital disponível para que o empreendedor erre, de novo, e de novo. Aqui, track-record precisa ser de sucesso – lá, fracassos também fazem track-record. Como o ambiente aqui é inóspito, já é hora de pararmos o culto a esse super-empreendedor com um pitch matador, um plano impecável e um modelo de negócios bilionário.
O empreendedor brasileiro deveria usar essa referência americana como exemplo, aprender com ela, mas esquecer a comparação e focar em melhorar seu projeto. Aproveite, porque 2011 é o ano 1 da nova fase do capital semente no Brasil – é o ano dos angels, o ano das novas aceleradoras (que vão pipocar em toda esquina).
Não critique – doe seu tempo.
Você que engrossa o coro de que o empreendedor brasileiro precisa melhorar: estou com você nessa. É óbvio que ele precisa. Mas lembre de todos os ingredientes emergentes nessa panela de pressão em fogo baixo: educação não acessível a todos, má aptidão financeira, boa índole, a culpa da riqueza concentrada… Certo? Somos o Brasil. A base da pirâmide. Empreendedorismo por necessidade, não por oportunidade. Atrás de nós, correm décadas de economia instável, um custo de oportunidade altíssimo para empreender, uma cultura de pais, tios e avós ensinando e valorizando o benefício da estabilidade de um emprego público ou em uma boa empresa privada. Isso não se muda em escala somente com um apelo de melhoria – muda-se com trabalho de médio a longo prazo, lado a lado do empreendedor.
Veja esses slides do Bob Wollheim, meu amigo e um cara que respeito muito. Você empreendedor se enxerga aqui? Não é a realidade dos empreendedores com quem convivemos na Aceleradora:
O pior é que o empreendedor-deus também erra. Leia esse artigo do Jason Cohen para ver a lista que ele compilou sobre erros de quem se inscreve em aceleradoras americanas. Agora leia esse post do Rene Fernandes no Startupi e este do Bob na ResultsON e compare as listas.
Se você é um empreendedor experiente, empresário, investidor ou educador e topa dedicar entre 2 a 4 horas por mês gratuitamente à formação de empreendedores que normalmente não estariam prontos a ponto de despertar sua atenção, inscreva-se como um dos mentores da Aceleradora e faça diferença com a gente.
17 Comments on "Não critique o empreendedor – doe seu tempo"
Juan Maiz
24/03/2011Em 94 Paul Graham fez um site para vender obras de arte.
Bob Wollheim
24/03/2011Grande Yuri,
1. O mundo é feito de uma massa e de exceções. Questiono, critico e provoco a massa, não os casos que são exceções. E continuarei fazendo.
2. Obviamente numa casa especial como a Aceleradora esses questionamentos não fazem o menor sentido! Você e seus empreendedores são uma nata da nata da nata! Assim como em outras casas. Falo dos milhares, milhões, que estão por aí. Falo dos + de 1000 "cases" de compras coletivas, falo dos BPs de portal que recebo semanalmente, falo dos e-mails pedindo para eu fazer o BP (SIC), falo das pessoas que querem que eu DOE meu tempo esperando de mim a fórmula do sucesso, a solução do problema e não um aconselhamento... etc., etc., etc.
3. Se um povo (ou um setor ou segmento) não olha as coisas ruins do seu próprio umbigo, ele não cresce.
4. Seus pontos em relação ao Vale do Silício são exatamente o que penso e o que digo, portanto, criticar vale também para o mercado, para os americanos, para o Vale, etc... como dá pra ver nesse papo aqui na Campus Party.
Link http://resultson.com.br/videos/as-nao-licoes-do-silicon-valley-oncampus/
5. Concordo 100% no seu chamamento para DOAR tempo, mas discordo que isso seja excludente de CRITICAR.
Para finalizar, acho seu post muito interessante, e provocador. Isso é bom e gera movimento.
Tem que provocar, mas a ideia de pensar o empreendedor brazuca como um “coitadinho que precisa de ajuda” e de que não devemos criticar mas “passar a mão na cabeça dele” uma visão simplista e reducionista e super perigosa.
Vou continuar criticando (e respeitando quem discorda das minhas críticas, claro) e também doando tempo.
Se seu chamamento for CRITIQUE E DOE TEMPO, assino embaixo.
Parabéns pela coragem de externar francamente suas opiniões!
Anonymous
24/03/2011Concordo que não são excludentes! Vê se fica melhor assim: não SÓ critique, doe seu tempo :) Eu só comentei sobre você e Rene porque conheço ambos há um bom tempo, e sei que não estão fazendo a coisa pelo mero fato de criticar. Basta olhar pra história do ResultsOn e os diversos Latin Moot Corps que o Rene já organizou... Mas tem gente por aí a quem eu não posso me referir diretamente.
Pra mim, o meio-termo entre a sua crítica e a minha é simples: estamos chamando o cara errado de empreendedor!
Os milhares e milhões que estão por aí quase nunca são de empreendedores de verdade - são pessoas TENTANDO empreender. Pessoas que tiveram uma ideia, se dedicaram um pouco a divulga-la e pronto. Não tem execução, ou quando tem, é muito pouco planejada. Não dá pra usa-lo como base da generalização, porque ele não é um empreendedor!
Por isso, acho que o jeito é traçar uma linha: o empreendedor brasileiro não é ingênuo e pouco esforçado - ele é BOM! A Aceleradora não tem a nata da nata - ela procura justamente os empreendedores que passaram da fase do "tenho uma ideia". Chamamos os caras certos de empreendedores, e só. Obrigado por participar, Bob!
Bob Wollheim
24/03/2011Yep.
Marcos Rezende
24/03/2011Excelente post. Excelente. Excelente. Para quem ama empreendedorismo e compra briga por ele, esse post é um ótimo incentivo para quem nos chama de louco ou fala que mudamos demais. Nós somos empreendedores, insistidores, focamos na nossa paixão, nos dedicamos a nossa realização.
Apaixonados por nós mesmos? Não diria. Somos apaixonados pelos nossos ideais e por eles é que nos trabalhamos. E trabalhamos duro, muito duro. Aliás, nós só trabalhamos, mesmo quando dormimos, porque somos apaixonados por acelerar mais e mais essa máquina que é o mundo que gira sem o nosso consentimento, mas que se puder ter a nossa ajuda, poderemos fazê-lo girar melhor.
"Sei que o meu trabalho é uma gota no oceano, mas também sei que sem ele, o oceano seria menor" ~ Madre Teresa de Calcutá
Pierre Schurmann
24/03/2011Yuri,
Gostei deste seu lado Jason que vem aparecendo em 2011!! É importante defender o empreendedor.
E para ajudar, vou botar lenha na fogueira.
O que me pergunto, em minhas andanças pelo Silicon Valley, é porque tem Argentino, Uruguaio,
Hondurenho, Colombiano e Venezuelano (e parabéns a eles pelas conquistas) por lá com cases
de empresas que criaram e venderam por algumas centenas de milhões , mas nosso único case
(com muito orgulho) é o Buscapé?
Olhando de qualquer ponto de vista mercadológico (população, tamanho de mercados, etc) há de
se convir que nossa participação (quase inexistente) é desproporcional.
Qual sua opinião sobre isso?
Abraços,
Pierre
Anonymous
24/03/2011Pierre, post das antigas pra você: http://aceleradora.net/2009/09/18/como-inovar-se-voce-nasceu-no-brasil/ - alguns links devem estar quebrados, mas ele contém parte da resposta. O resto está abaixo.
Eu penso que enquanto educadores discutem "empreendedores nascem assim ou podem ser ensinados?", assumem que o controle não está nas mãos do empreendedor: não há como os ineficientes nascerem de novo para melhorarem, nem como garantir que alguém os eduque do jeito correto para empreender. Faculdades ou cursos não são suficientes para se formar bons empreendedores - talvez aparem arestas. Sim, a educação como a conhecemos hoje pode despertar o empreendedor dentro de cada um, e até consegue direcionar seu esforço... Mas veja uma analogia simples: apesar de termos passado centenas de horas estudando Física no ensino médio, há poucas chances que eu ou você tenhamos um diploma universitário em Física. Assim como afirmávamos "nunca vou usar isso na vida" ao estudarmos números irracionais, policarbonatos e leis da termodinâmica, pós-adolescentes dificilmente se tornarão bons empreendedores por assistirem a um curso de 6 meses ou 1 ano sobre empreendedorismo. Somente se tornará um bom empreendedor os que possuem aspectos como liderança, criatividade e persistência fortemente arraigados em sua personalidade - e essas são coisas que a escola brazuka trabalha bem menos do que deveria.
Tem que ver isso aí - quantos argentinos, hondurenhos, etc estão nos EUA recém-migrados de seu país e com uma educação latino-americana? Grande parte dos fundadores de startups nos EUA são israelenses, coreanos, chineses, indianos, canadenses, neo-zelandeses e ingleses, mas que desfrutaram de escolas como Wharton, Stanford, Harvard e Oxford - ou seja, foram aculturados por uma educação muito rígida que estimula também características não-técnicas como oratória, filosofia, debate e habilidades de fund raising (alguma semelhança com sua faculdade, empreendedor?).
Países diferentes, realidades diferentes, comparações distorcidas. Não dá pra comparar quem está aqui com quem está lá. Se você achava que o Buscapé era nosso único case, vamos esperar o Gustavo Caetano, Julio Vasconcellos e outros fazerem prováveis saídas nos próximos anos...
Pierre Schurmann
24/03/2011Yuri,
Dizem que para melhorar uma estatística, basta compará-la a uma série pior.
O que propus no meu comentário foi comparar para que possamos saber que é possível. Algo
parecido com o que busquei fazer neste post (antigo): http://resultson.com.br/colaboradores/m-z/pierre-schurmann/dize-me-com-quem-andas/.
Quem acha que pode, pode. Quem acha que não pode, também está certo.
Abraços
Pierre
FernandoJS
24/03/2011Ótimo texto, falta muito apoio para empreendedores, e não estou falando de apoio financeiro, dinheiro todo mundo quer, mas poucos sabem realmente pra que precisam.
O empreendedorismo digital no Brasil é o mais carente, porque para outros tipo de empreendimentos o SEBRAE é excelente, infelizmente eles ainda dominam este tipo de empreendimento.
Gustavo Veloso
24/03/2011Já virou tradição: post da Aceleradora é sinônimo das melhores discussões, só com o pessoal do mais alto nível.
Apenas gostaria de ressaltar o ponto fundamental das nossas instituições de ensino, que em sua esmagadora maioria, não incentiva o empreendedorismo como poderia. Acredito que se durante os quatro anos de graduação tivesse sido estimulado a enxergar o empreendedorismo como uma alternativa viável teria menos problemas para romper a barreira do medo e do risco de empreender.
Claro, não é só isso. Os que querem empreender não podem se dar ao luxo de ficarem parados, passivamente, esperando o empurrão para acelerar. Mas com certeza seria um incentivo a mais, além de uma forma de sairmos menos despreparados, com uma educação voltada para o empreendedorismo, como é visto em outros países.
E também concordo que muito já se discutiu sobre o tema. É tempo de mais execução!
dttg
24/03/2011O problema não está no empreendedor em si. O problema, mais que desqualificação, é desinformação. É a cultura, e acho que isso estamos começando a criar.
#doaQuemDoar
Henrique Gomes
27/03/2011Creio que a partir dum ponto que as pessoas entendam riscos como oportunidades, além de verem outros tendo sucesso em seus empreendimentos, ou seja a cultura estiver mais ligada ao empreendedorismo, podemos criticar mais.
Na faculdade em que estudo, há uma empresa júnior que sou membro, e da qual vários ex-membros fundaram suas próprias empresas.
A rejeição a entrar na empresa por outros colegas da faculdade é sempre baseada nas mesmas ladainhas: "Vai demorar pra dar dinheiro"; "Mas você não tem salário?"; "Não vou ter tempo pras matérias".
Realmente não há como criar uma matéria nos moldes atuais das instituições de ensino superior/médio que simule o empreendedorismo em si, mas creio que o Movimento Empresa Júnior está ajudando bastante a trazer esta realidade, visão empreendedora as pessoas mais jovens.
Eu, por exemplo, nunca teria ouvido falar desse site se não tivesse entrado na EJ da minha faculdade.
Abs
Rene Jose Rodrigues Fernandes
28/03/2011Ótimo post, Yuri!
Pena que eu não vi antes e só estou olhando agora. Fico especialmente feliz em ouvir você dizendo que pode se referir diretamente a mim e ao Bob. É o exemplo máximo do valor das nossas opiniões e críticas.
Todos os dias eu levanto com uma pergunta na cabeça: "Como nós (Rene + FGVcenn) podemos contribuir para o aumento do número de empreendedores de sucesso no Brasil?". Eu acredito que nunca vou ter uma resposta completa para esta pergunta, mas responde-la passa por criticar, dar feedback, aprender com erros e fracassos, mostrar casos de sucesso, ensinar ferramentas de gestão, ensinar atitude empreendedora, preparar pessoas para correrem riscos, colocar a "mão na massa", entre outras coisas.
Desta forma, vejo os nossos trabalhos como complementares: enquanto o FGVcenn, eu e a ResultsOn, por exemplo, temos uma metralhadora, a Aceleradora tem um rifle sniper. Nós tentamos fazer a parte de dar feedback, mostrar cases, dar ferramentas de gestão e criticar um número grande de pessoas, enquanto a você e a Aceleradora atingem, como mais precisão e resultados alguns casos ao colocarem a "mão na massa". Isto quando nós não nos misturamos e fazemos coisas juntos.
Só não valem aqueles que fazem críticas vazias e genéricas e nunca estiveram presentes dentro desta realidade, mas aí é tema para outro post...
Um abraço,
Rene
Rene Jose Rodrigues Fernandes
28/03/2011Ótimo post, Yuri!
Pena que eu não vi antes e só estou olhando agora. Fico especialmente feliz em ouvir você dizendo que pode se referir diretamente a mim e ao Bob. É o exemplo máximo da livre manifestação de pensamento.
Todos os dias eu levanto com uma pergunta na cabeça: "Como nós (Rene + FGVcenn) podemos contribuir para o aumento do número de empreendedores de sucesso no Brasil?".
Shwyto
23/04/2011Caro Yuri Gitahy de Oliveira,
concordo em gênero, numero e grau com este artigo. Estou conhecendo a "aceleradora", e já gostei do que vi. Sou empreendedor a procura de oportunidade para implementar projeto interessante na área de sustentabilidade de resultados coletivos, concretos e mensuráveis. Infelizmente perdi a " A chamada de 2011 ". Mas gostaria que conhecesse o trabalho da Shwytec, especialmente o projeto que pretendo implementar, chamado AKyradeGaia, que apresenta resultados concretos e mensuráveis de uso racional e água e energia elétrica. Não sei se seria apropriado dar os links neste local, mas estamos com os sites e blogs em construção. Nestes endereços terá uma visão clara de nossa proposta de negócios.
Pretendo cadastrar este empreendimento na "aceleradora".
Gostaria de sugerir um tema para suas considerações:
A vulnerabilidade de projetos inovadores, em fase inicial, que sem proteção de entidades/parceiros sérios, sofrem plágios e sabotagens abortivas.
FinalmenteParabéns pelo seu bom trabalho.
ShwyTo.
sebastian
12/10/2011Po.. gostei.
É importante a call for action para quebrar com a simples (e finalmente infructíferamente boba) compulsão reclameira.
Algum tipo de ação por parte de que tem mais noção é necessário transferir para quem ta fazendo força.
A crítica tanto como a guia/coaching/mentoring/advising whatever, são muito necessárias.
E o ponto desse post me faz pensar que a desproporção de uma perante a outra só vai atrasar resultados para todos.