Startups não são apenas pequenas empresas começando. Elas são formadas por um time e produto (ou mesmo um protótipo) com receita encaminhada, e o que as diferencia de outras empresas é uma gestão fortemente orientada ao crescimento em escala. Se ela vai chegar lá, não é uma questão de estratégia, e sim de execução… aquelas milhares de pequenas decisões e atividades realizadas ao longo da sua breve história.

O que você talvez não tenha percebido é que o principal motivo de tantos times terem protótipo, produto ou mesmo receita e não fazerem a transição para negócios de verdade é um dilema que vem lá do começo e poderia ser facilmente evitado. Trata-se do famigerado encaixe entre problema e solução, e ele começa – para qualquer empresa, seja uma startup ou não – com a definição correta do problema que ela se propõe a resolver.

Contexto

Para entender o porquê, vamos começar relembrando algo que Steve Blank e Eric Ries tanto repetem:

  • empresas tradicionais partem de problemas conhecidos e os tratam com soluções conhecidas (por exemplo, um hotel numa região de escritórios ou uma padaria num bairro recém-urbanizado)
  • startups e empresas inovadoras reconhecem que tratam um problema ainda desconhecido e entendem que a solução também é desconhecida a princípio (por exemplo, a história por trás do Flickr, post-it, Airbnb e muitos outros)

A minha experiência mostra que grande parte das startups que dão errado já conhecem, mas não aplicam esses conceitos. Elas partem de um problema desconhecido por elas e cismam em empurrar sua solução, que já está definida a priori… O que não faz muito sentido, e é quase o inverso do proposto por Ries e Blank sobre o que é ser uma startup.

Você tem uma ideia de negócio e quer fazer um exercício? Pare de ler esse texto por 5 minutos e pense somente no PROBLEMA que você resolve. Por que essa empresa deve existir? Que dor do cliente você quer resolver? Escreva agora (à mão, de caneta num papel, para evitar edições e dedicar mais tempo a pensar ao invés de escrever) um parágrafo que descreva claramente o problema que sua startup resolve.

(vai, 5 minutos, não vai doer. Quando terminar você volta)

#1 É difícil definir bem o problema

Se você se encaixa no perfil mais comum do empreendedor – aquele que ainda não sacou que não entende seu problema de verdade – provavelmente usou na resposta expressões como:

  • “a falta de um aplicativo/produto/serviço que permita (…)”
  • “a dificuldade de encontrar (…) em um só lugar”
  • “não existem produtos/serviços que atendam as necessidades de (…)”

Entre outras frases com padrões similares. Bateu com a sua resposta?

Porque 9 em cada 10 pessoas irão partir da falta de sua solução (e não do problema real) para descrever a dor do cliente ou o problema que sua startup deseja resolver. Ou seja: elas estão focadas na solução conhecida para um problema (ainda) desconhecido. Por que desconhecido? Porque se fosse conhecido, ele estaria claramente descrito. Por exemplo (dados fictícios meramente ilustrativos):

  • O problema não é a “falta de um serviço abrangente que entregue comida a moradores de rua e comunidades carentes”. O problema é “milhões de pessoas morrem de fome todos os anos, e 30% delas estão abaixo do limiar mínimo de nutrição da ONU”. Você ainda não sabe se entregar comida grátis vai resolver o problema de verdade, ou se patrocínio vai ser a solução mais viável como receita.
  • O problema não é “a vergonha e dificuldade de comprar produtos em sex-shop”. É “8 em cada 10 pessoas têm problemas no casamento e ainda consideram sexo um tabu nas discussões com o parceiro”. Você ainda não sabe se seu clube de assinatura de sex-shop vai deixar as pessoas mais felizes do que um curso sobre auto-estima ou terapia de casal.

Posso passar o dia listando exemplos assim, mas o importante é perceber que problemas são melhor descritos a partir de fatos e dados quantitativos (o que irá forçar você a pesquisar direito sobre o problema real). Entenda: o problema não é a falta do que você quer fazer e por que você se motivou a fazer isso. É a causa real da dor do cliente, e ela leva tempo para ser entendida… mas aprenda que ela é o primeiro passo do seu trabalho como empreendedor.

#2 Um martelo na mão…

Se você ainda não está convencido de que é importante (e difícil) definir o problema corretamente, vou explicar um outro padrão encontrado no comportamento dos empreendedores que ainda não encontraram o encaixe entre problema e solução: usar somente frases no futuro.

  • “as pessoas usarão o aplicativo para (…)”
  • “até termos receita, não poderemos (…)”
  • “assim que conseguirmos um investimento, poderemos (…)”

Isso é fácil de explicar: ele ainda está preso na neurose problema desconhecido x solução conhecida, porque ainda não validou nada com ninguém e não tem histórico de execução. Assim, ao invés de dizer “aprendemos que”, “nenhum cliente quis” ou “não funcionou quando tentamos”, ele se agarra à sua visão de futuro e ao que sua solução será capaz de fazer no dia que existir.

A referência que sempre uso nesse momento é “Quem tem um martelo na mão só vê prego”. Porque ele incorporou o conceito do empreendedor que pensou em uma “solução inovadora” e decidiu que ela será a base do seu novo negócio.

A Lei do Instrumento incorpora esse ditado sob uma perspectiva mais abrangente. Ao discutir métodos de pesquisa e conclusões comumente direcionadas pelo pesquisador, este livro traz um trecho interessante na página 73 sobre o mesmo conceito: “quando um instrumento está disponível [ao pesquisador], ele tende a ser usado em situações onde outra alternativa seria mais viável” (tradução livre).

É exatamente esse meu ponto: uma vez definida a solução como premissa, fica muito mais difícil para o empreendedor enxergar qualquer coisa diferente da “grande sacada” do seu negócio… E isso irá direcionar de forma errada toda a sua validação com o cliente, sua estratégia de execução e sua argumentação para vender seu projeto a investidores ou potenciais pessoas para compor o time. Some a isso a demora para reconhecer que se está no caminho errado, e a falta de busca (até mesmo consciente, às vezes) de problemas ou soluções diferentes para transformar aquele projeto em um negócio.

Veja bem: seu martelo pode não ser a solução que você precisa… e cuidado, porque o foco na solução cega o empreendedor.

#3 O custo de oportunidade

Esse é um dos conceitos mais importantes numa startup, e precisa estar fundamentado na cabeça de quem começa um negócio. O Custo de Oportunidade é todo o ganho que o empreendedor abriu mão ao decidir tocar seu negócio atual, ao invés de perseguir outras opções para dedicar seu tempo e dinheiro.

Por exemplo: imagine que o empreendedor investiu R$ 100 mil reais no seu negócio e calculou que começará a ter retorno a partir do segundo ano. Quanto ele teria ganhado se tivesse decidido investir esses mesmos R$ 100 mil em uma franquia? E se tivesse comprado três carros populares usados e revendido com uma boa margem de lucro, será que não teria o mesmo lucro mais rápido? Afinal, o que mais ele poderia ter feito com seu tempo e dinheiro comparado ao negócio atual, e quanto teria ganho a mais?

Muitas vezes, as pessoas nem mesmo param para pensar no que mais poderiam ter explorado. Sim, esses ganhos alternativos são teóricos – afinal, nenhum desses projetos foi realizado… Mas o exercício é muito importante para reduzir os riscos de empreender.

Cada dia que você foca na sua solução teórica e não trabalha para identificar outras soluções, é mais um dia dando espaço para a concorrência.

#4 Conclusão

Eu não montei um negócio novo (totalmente meu) nos últimos anos, mas validei vários e vi que não valiam a pena (pelo menos pra mim). Em outros, fiz dinheiro com a validação e percebi que isso era o máximo que o negócio ia escalar (pelo menos comigo executando). Em todos esses casos, eu não gastei mais do que precisava e nem me apaixonei pelo negócio antes da hora… porque aprendi que o encaixe entre problema e solução começa pela correta definição do problema real.

O meu objetivo não é convencer você de que você está errado. O que tentei com esse artigo foi mostrar que é muito importante abrir sua visão não só para o que você se propôs a fazer, mas também para outras possibilidades que você nem mesmo reparou como soluções viáveis, e que isso pode ser a chave do sucesso do seu negócio. Para isso, é preciso olhar o problema de fora e não confundi-lo com a sua solução.

Não são as ideias ou produtos visualizados no começo da sua história que farão seu negócio dar certo, e sim o processo e caminho que você escolheu seguir. Na hora do seu nascimento, qualquer negócio inovador é bem diferente da sua descrição feita quando cresceu ou atingiu o mudo todo. A “ideia genial” lá do começo, de como ele deveria funcionar, raramente é a mesma do final. Por isso, atente para isso: gaste mais tempo identificando um problema que valha a pena ser resolvido do que se convencendo de que sua solução é matadora.

Se não der mais certo, acredite… dará menos errado.