Por que o Brasil não é reconhecido como um país inovador em tecnologia?

Eu me faço essa pergunta continuamente, e diversas versões dela correm a blogosfera nacional. Uma das versões mais debatidas é “Por que os brasileiros não conseguem criar sites web 2.0 tão inovadores quanto os americanos?” Sim, o Brasil copia e regionaliza muito bem as idéias lá de fora… Mas está alguns anos atrás na onda da Web 2.0. Será que conseguimos cobrir o atraso?

Melhor ainda… será que o Brasil consegue passar na frente, e inventar uma futura nova onda em Tecnologia?

Acho que a resposta hoje ainda é “NÃO” pra essas perguntas, e as razões são várias. Além de resumir algumas aqui – afinal isto é um blog, não uma tese de mestrado – vou também mostrar como eu tento trabalhar para reverter isso na pequena escala que está ao meu alcance.

[ Atraso tecnológico ]

O Brasil é um país em desenvolvimento, com uma cultura tecnológica em desenvolvimento. Comparado com nações de economia e política mais precária e atrasada, o Brasil está décadas à frente… Mas se compararmos aos EUA, Israel ou outros países com uma cultura de empreendedorismo tecnológico, estamos décadas atrás.

Esse atraso não vem somente da reserva de mercado (veja post sobre isso no Mundo.IT) como também porque somos um país “technologically challenged”, for the lack of a better term. Se pensarmos nas 3 grandes ondas de Toffler, ainda estamos tentando resolver pendências das duas primeiras, para só então resolvermos a terceira… Explico.

O Brasil passou relativamente bem na 1.a onda pois tem um setor agrário de sucesso e não vive de caça e coleta. Ao mesmo tempo, pessoas morrem de fome e famílias inteiras no Nordeste precisam abandonar seus locais de origem para viver uma vida migratória, quando desistem frente à opressão do clima. Assim, até mesmo as diferenças climáticas (devido às dimensões continentais do país) dificultam a própria subsistência. Onda 1 completa? Not so fast.


“Os Retirantes” de Cândido Portinari

A onda 2 é alavancada pelo advento da revolução industrial: a massificação da produção, distribuição, consumo, entretenimento, mídia e… educação. Precisa explicar demais por que esse último nos deixa com a 2.a onda incompleta? No Brasil, apenas parte das crianças matriculadas na 1.a série termina o 1.o grau. Por isso, massificar a educação é pauta de proposta governamental, e vai continuar sendo. So much for wave 2…

A onda 3 é a tão almejada revolução pós-industrial ou revolução do conhecimento. Apesar do aparecimento da onda 3 em um país não ser tão radical – e notarem-se sempre resquícios da onda 2 conforme se caminha para a 3 – ela é fortemente caracterizada pela personalização, onde a massificação e centralização perdem espaço para a individualização e descentralização. Por exemplo, na 3.a onda, a educação nas escolas se torna personalizada, respeitando o ritmo pessoal do aluno e saindo da memorização para a criatividade e estímulo à associação de idéias. Em resumo, exatamente o ambiente em que você estudou – certo?

Toffler não é amado por todos, mas traz um excelente pano de fundo para esse tema.

[ Colonização x Exploração ]

Quais as causas do que vimos acima? Em parte, porque nós não fomos colonizados, e sim explorados.

Toneladas e toneladas de recursos naturais saíam anualmente do Brasil em direção a Portugal, enquanto recebíamos em troca presos e exilados políticos submetidos ao fisco da Coroa Portuguesa. Já nos Estados Unidos, a colonização Inglesa despejava pessoas que buscavam liberdade religiosa. Esse estilo de colonização ajudou na geração de líderes e intelectuais como os chamados Founding Fathers, que criaram uma Constituição no século XVII focando na liberdade do indivíduo e no poder das idéias. Em outras palavras, empreender, crescer e progredir.

Por falar nisso, o inventor Benjamin Franklin (foto acima) era um deles. Mas deve ser só coincidência ele ter sido inventor.

[ Investimentos baixos em P&D ]

Justamente pela falta de uma elite intelectual que permeie toda a sociedade – e não a elite sócio-econômica que povoa os top 5% da nossa pirâmide de renda – o Brasil não sente a necessidade da inovação. Não existe aqui dentro o impulso para se tornar uma das maiores nações do mundo.Sim, os americanos exageram bastante, misturando P&D com seus interesses próprios de supremacia política… Mas no Brasil investe-se muito pouco em pesquisa, e é sempre muito difícil conseguir patrocínio, bolsas ou investimentos do governo para projetos inovadores. Se alcançarmos uma melhor distribuição de renda nos próximos 50 anos, talvez tenhamos uma cultura massificada de investimentos em pesquisa e novos produtos.Os americanos já possuem esse costume largamente difundido na sociedade, e investir em P&D – ou simplesmente saber avaliar um investimento – é tão simples quanto fazer uma rodada de capital semente entre os amigos ou procurar um VC.

Verdade seja dita: o acesso a crédito e investimentos no Brasil tem melhorado muito com o trabalho do BNDES e os editais da FINEP e CNPq. São louváveis as iniciativas de congregação de notícias e informação nessa área, como os portais da Rede Inovar e Capital de Risco.

Mesmo assim, os recursos ainda estão restritos a uma parcela muito pequena da população. Você consegue visualizar esse dinheiro da FINEP chegando a um adolescente-gênio com uma idéia que vai mudar o mundo, mas que é nascido e crescido em uma comunidade carente?

[ A Tecnologia e Ensino não estão ao alcance de todos ]

Se a Educação e Tecnologia não chegam às vidas de todos os brasileiros, como vamos ter as mesmas chances de inovar? Por isso é necessário não só o recente esforço da inclusão digital, mas também a inclusão educacional que já data de muito tempo. Veja por esse lado: alguém consegue citar o nome de 5 inventores que nasceram e produziram algo no Brasil, mudaram o mundo com suas invenções e ficaram conhecidos internacionalmente? Dificilmente. Temos Santos Dumont (com alguma polêmica), e … Quem mais?

Veja bem: não estou falando de pessoas que descobriram ou estudaram novas doenças, como Carlos Chagas e Vital Brasil. Isso também requer inteligência, dedicação e investimento… Mas a questão que trato aqui não é salvar pessoas, e sim de inovação em tecnologia aplicada. Aliás, você nem deve ter ouvido falar de um cara importante: o Manuel de Abreu, que inventou um aparelho de diagnóstico rápido da tuberculose através de raio-X. Ele conseguiu salvar muita gente por algum tempo, mas seu uso ficou mais restrito ao Brasil e países vizinhos.

[ Uma lei de patentes imatura ]

E isso nos leva ao INPI, que registra e protege a propriedade intelectual no nosso país. Muito bem intencionado, o INPI sofre pela falta de investimentos nele próprio, dado que é uma instituição do governo federal. Nos últimos anos, passou por uma reestruturação interna e ganhou alguma atenção do orçamento da União para agilizar seus processos internos e o atendimento ao público.

Por mais ágil que se torne o INPI, a legislação nacional para apoio à inovação e propriedade intelectual tem um histórico complicado (veja essa discussão datada de 2004). O resultado é o desconhecimento fundamentado da lei por muitos (eu, por exemplo) e um número muito, mas muito baixo de patentes registradas.

[ O que mais? ]

Uma reportagem recente e interessante da Época Negócios tratou deste tema. Ela cita como obstáculos à inovação:

  • a falta de confiança na reciprocidade e compromisso entre as pessoas
  • a necessidade de reforma nos sistemas jurídico e político brasileiros
  • a cultura (herdada da religão predominante) de que acumular posses não é uma atitude legítima
  • a falta de uma cultura de meritocracia, onde quem se esforça merece melhorar de vida
  • a mentalidade de “soma zero”, que impede a colaboração e atingimento de metas colaborativas

Nela, descobri que o Brasil está em 40.o lugar em um ranking mundial da inovação – ou seja, mais ou menos na metade do ranking. Você pode ver um copo meio-cheio… Eu vejo 39 países na nossa frente.

[ E lá fora? ]

Nem precisa falar muito… A IBM é o maior detentor de patentes do mundo. Ok, eles são uma empresa antiga e assim fica fácil? Pense então em Youtube, Google e Apple… todos vieram de idéias muito simples, e nasceram com um investimento muito baixo. Não fosse a insistência de seus fundadores e a cultura que os cercava, não valeriam os US$ muitos bilhões que valem hoje.

Apesar dos dois primeiros negócios – Google e Youtube – serem baseados na Web, a inovação em tecnologia não precisa vir somente desse meio. Ao mesmo tempo, o custo de desenvolver e distribuir inovação é muito baixo através da Web…

[ Conclusões ]

Por tudo isso que foi colocado, acho que não… a Web 4.0 não nasce no Brasil. Talvez a Web 12.0?

Isso nos mostra que devemos divulgar e parabenizar as poucas iniciativas brasileiras realmente originais, como o Boo-Box, que já ganhou a atenção da mídia mundial. Mas e então? Paramos por aí?

A antropóloga americana Margaret Mead disse que “nunca se deve duvidar que um pequeno grupo de pessoas inteligentes e comprometidas possa mudar o mundo. De fato, é o único jeito que se tem notícia”.

A história também dá exemplos claros de que, para cada grupo que tem sucesso em alguma idéia, milhares de outros grupos foram subjugados ou convencidos a desistir. E é justamente a cultura de um país que irá criar o ambiente – propício ou não – à proliferação de idéias inovadoras.

E o que cada um pode fazer a esse respeito? Apenas esperar pessoas geniais encontrarem seu caminho? Como estimular a criação ou transformação de uma cultura empreendedora em tecnologia, mesmo sem muitos recursos financeiros?

Eu, talvez iludido com o fato de que eu possa fazer diferença, estou tentando criar uma estratégia.

Ela consiste em encontrar as pessoas e empreendedores certos, juntá-los em grupos com perfis complementares e discutir soluções não-intuitivas para problemas conhecidos. Sem um controle central, sem direcionar seu raciocínio – apenas participando, observando, fazendo perguntas e tentando estimular as respostas certas. Um esforço sistemático e constante, onde as boas intenções são recompensadas, laços de confiança são criados, e o trabalho em equipe vale mais que a soma das capacidades individuais.

Funciona? Eu aposto que sim, porque vem funcionando há 1 ano. E por mais intuitiva e ingênua que seja a idéia, os resultados dessa estratégia – sejam bons ou ruins – você vai ver aqui na Aceleradora.