Existe uma discussão constante sobre as startups de tecnologia brasileiras, e ela é mais ou menos assim:

Os empreendedores brasileiros copiam ideias de fora porque não são capazes de terem suas próprias boas ideias.

Clonar, copiar, adaptar, nacionalizar, chame do que quiser: na essência, é criar o [________] brasileiro (complete com um site estrangeiro de sucesso). Afinal, se a idéia deu certo lá fora, deve dar certo por aqui também…

Essa prática, apesar de comum, é muito condenada. Os argumentos vão de “o empreendedor brasileiro não é criativo” até “o brasileiro é preguiçoso”, passando por “o brasileiro é colonizado, e só gosta de serviços gringos”. Nadando contra a maré, minha opinião é bem direta: se você é um empreendedor iniciante e tem vontade de copiar ou adaptar um serviço estrangeiro para o Brasil, FAÇA LOGO – e analise esses 7 pontos durante a sua experiência.

[ #1 – Prática ]
A prática cria o hábito, e o hábito cria um mindset específico. A intuição tem um papel importante na gestão de uma startup, e um empreendedor iniciante tem menos chances de sucesso do que aquele que já bateu sua cabecinha em um serviço que tentou implementar no passado. Quanto mais prática, mais intuitivas suas reações e mais coesas serão as respostas aos imprevistos de uma startup.

Por isso, praticar a construção e lançamento de “similares” – ou com pequenas adaptações de serviços existentes – pode ser crucial para se levar uma ideia realmente inovadora quando ela aparecer.

[ #2 – Público ]
O brasileiro não fala Inglês, mas tem direito a consumir conteúdo de qualidade e a participar de esforços que crescem lá fora. O brasileiro quer colocar sua cara na internet, e o orkut em Português viabilizou isso. Enquanto outros serviços externos não lançarem sites traduzidos para o Brasil, existe um gap de mercado.

A cultura do brasileiro também é diferente, e não necessariamente irá impulsionar um produto criado exatamente como o estrangeiro. Um exemplo disso – que não é um clone, dado que veio antes do seu primo famoso – é o crescimento do Videolog. Passe algumas horas pelo site e você vai perceber que a proposta do Ariel e Mack envolve trabalhar o jeito brasileiro de produzir e consumir vídeo. Há uma comunidade cativa que já percebeu o benefício do Videolog, e em breve mais empresas e agências irão perceber isso…

O Videolog é único no Brasil, está no mercado há quase seis anos com um público que cresce 100% ao ano. Se você atende às necessidades de um grande público, está ganhando o jogo.

[ #3 – Reconhecimento ]
Se você fizer um clone do ChatRoulette e ele crescer, vão falar de você. Quem clonou o digg no passado e cresceu, ganhou imprensa… e não existe publicidade ruim. O TinyURL foi criado em 2001 para encurtar URLs – o migre.me fazia o mesmo mas passou a contar clicks. Enquanto o threadless existia desde 2000, a Camiseteria nacionalizou essa experiência, criou uma comunidade e abriu o mercado para excelentes designers brasileiros. Os dois empreendedores – Jonny Ken e Fábio Seixas, cada um a seu jeito – têm o reconhecimento de muitos, e não se preocupam em terem criado suas ideias com base em outras.

Tomando o Videolog novamente como exemplo, repare que a grande massa de novos visitantes deve imaginar que ele é um clone brasileiro do Youtube (dado que provavelmente conheceram o Youtube antes, e não devem se aprofundar muito na história do site). Agora repare que mesmo que eles vejam o Videolog como “mais um site” de vídeos, essa percepção ruim que todos apontam – é um similar nacional do youtube – é totalmente ignorada pelo fato da experiência para o usuário ser muito boa. Em outras palavras, enquanto os críticos indicam que o Videolog não irá ganhar do youtube, o público aproveita e o Videolog sobrevive para conquistar mais mercado com uma proposta original.

Se você tiver reconhecimento do seu público em um serviço similar a um site gringo, tem uma grande oportunidade nas mãos: se e quando seu serviço realmente inovador estiver pronto, você poderá usar esse reconhecimento ao seu favor e apresentá-lo a uma grande massa de usuários com quem já se relaciona.

[ #4 – Dianteira ]
Se você ainda não teve a ideia de um produto matador mas se tornou conhecido por adaptar no Brasil algo existente lá fora, você tem uma dianteira considerável com quem está começando agora. Sair na frente de um mercado inexplorado – mesmo que localmente – permite criar nichos de audiência, ganhar imprensa, gerar receita.

Se existia uma necessidade e você passou a atendê-la antes, a dianteira aumenta muito suas chances de sucesso e cria uma barreira para os próximos que também decidirem copiar a mesma ideia.

[ #5 – Inovação combinatória ]
A partir de uma ideia já pronta, você só precisa exercitar diferentes aspectos dela – ou combiná-la com outras – para criar um produto novo. Além disso, existe uma grande quantidade de free software e sistemas open-source disponíveis para serem adaptados e reusados em novos produtos. Uma inovação radical pode criar novos mercados, mas uma inovação combinatória simples pode sustentar algumas famílias por décadas. Só pela receita ser pequena, deixou de ser um empreendimento de sucesso?

Por outro lado, nos setores tradicionais da economia – mineração, siderurgia, bancos – há lugar para serviços muito similares. Por que é tão normal permitir concorrentes idênticos nesses setores, mas não em tecnologia? Porque a cultura de VCs do Vale do Silício provou que só é possível ganhar bilhões se seu produto for uma inovação radical. Só, amigão, que aqui ainda não é o Vale do Silício.

Combinando produtos existentes em um novo, você irá se condicionar a um mindset que irá ajudar a perceber novos cenários, e isso trará novas ideias. É a partir desse mindset de análise constante que você poderá ter uma inspiração para uma melhoria no seu produto, ou propor um produto radicalmente diferente.

[ #6 – Fail fast and cheap ]
Se o seu destino for descobrir que seu serviço nacionalizado irá falhar, que seja rápido. Adaptar uma ideia de fora irá não só acelerar o tempo de lançamento, mas também reduzir seu custo de criação do produto. Quanto mais cedo ele der errado, menos tempo e dinheiro você terá gasto.

[ #7 – Por que não? ]
O que o ato de copiar irá trazer de mal a você? No pior dos casos e se tudo der errado, perda de tempo. Mas agora, você sabe que as outras seis razões dão mais sentido a essa empreitada.

[ Conclusão ]
Músicos e bandas geralmente começam sua carreira fazendo cover de músicos famosos. Se eles forem realmente bons – ou ao menos tiverem um diferencial – o que eles ganham com isso? Prática, público e reconhecimento. Com o tempo, os melhores irão aparecer com seu próprio diferencial – um registro vocal, um jeito de tocar diferente. A interpretação pode fazer toda a diferença. Vão combinar diferentes estilos, testá-los com seu público e descobrir qual funciona melhor. Os Beatles, The Who e o The Clash começaram fazendo covers.

Se funciona para outras áreas, por que não tentar nas startups? Se não massacramos os músicos por fazerem isso, por que fazê-lo com os empreendedores de tecnologia?

Se você é um empreendedor que ainda não teve uma ideia realmente boa mas gosta muito de algo que viu lá fora, não se envergonhe de nacionalizar. Pratique, ganhe público, e se for bom será reconhecido. Aprenda com isso, pratique outra ideia, mas sempre com foco em ter a sua própria – e única. Isso pode ser a sua marca, e se você souber reposicionar o público existente para o novo produto, você pode largar bem na frente de seus concorrentes. Eis como eu vejo a frase do início do post:

ALGUNS empreendedores brasileiros copiam ideias de fora porque AINDA não são capazes de terem suas próprias boas ideias.

Pense comigo agora: se cada um com intenção de “nacionalizar” um produto ou serviço estrangeiro construísse um cover, depois outro, e outro, teríamos no médio prazo um cenário de startups mais forte no Brasil. Empreendedores mais experientes, já acostumados com problemas de escalabilidade, mais espertos ao lidar com SEO, talvez não tão confiantes em viver do dinheiro de publicidade… e quem sabe melhores gestores, por terem lidado com times diferentes ao longo do tempo. Isso não faz sentido? Para quem ainda não teve sua própria ideia, sim. Por isso, não se envergonhe de copiar…

Mas evolua.