No post anterior, vimos o que são startups de verdade e as grandes fases pelas quais elas passam. Sabemos que várias conseguem chegar a um negócio viável mas não necessariamente escalável, e também que algumas conquistam aportes de investidores para crescerem mais.

Sambatech, investida da FIR Capital (BH/MG)

Se você leu a parte 1 com cuidado, deve ter concluído uma coisa por conta própria: só ter uma ideia, um protótipo ou projeções sobre um produto a ser criado não é suficiente para se saber o valor da sua startup. Neste ponto, não procure investidores, nem queime cartucho pedindo ajuda a ninguém para encontrá-los… Antes disso, você precisa passar por algumas etapas importantes na reta do tempo:

Notou os cinco marcos em negrito que dividem as seis fases? É deles que falaremos a partir de agora, porque não há como falar de valuation sem entender em que pontos ele é realmente relevante e significativo.

1. Da ideia ao negócio: esqueça o valuation.

Sua ideia ainda não tem valor porque ela é somente uma ideia. Provavelmente você não é capaz de verbalizá-la facilmente, e demora um pouco até mesmo para explicá-la…

Um exemplo seria pedir a Larry Page e Sergey Brin que explicassem sua ideia bem na concepção, quando o page rank ainda era um funcionalidade útil do Backrub. Qual das duas alternativas eles começaram usando – 1 ou 2?

  1. “O Backrub é um mecanismo de busca que entrega o resultado mais relevante na primeira posição para 9 em cada 10 buscas. Isso é 300% mais eficiente que os engines atuais.”
  2. “Criamos um algoritmo capaz de inferir relevância a partir das relações entre as páginas, fazendo com que a própria web seja capaz de apontar quais páginas são (…) conforme comprovado por testes (…) após indexar mais de 100 mil páginas (…) é possível chegar a um percentual de acerto de (…)”

Eu aposto na 2. E a resposta que a grande maioria dos investidores daria? “Ok, você é o novo Altavista, o novo Lycos. E como você gera receita? Já sei: publicidade…” Demorou um bom tempo até o Google perceber que os anúncios patrocinados ao lado das buscas – pagos através de livre arbitragem de preços por seus consumidores – seriam o modelo de negócio que os tornaria viáveis.

Entenda: o negócio deve ser descrito como “o cliente tem o perfil P, e ele dá R$ X por dia/mês/ano em troca dos benefícios A, B e C”. Se você não é capaz de descrever isso para seu produto e soar verossímil, esqueça valuation ou investimento.

2. Do negócio ao protótipo: estude valuation.

Nos Estados Unidos os empreendedores têm sorte: lá existe capital de risco (risco mesmo – as pessoas experimentam investir em idéias que não se provaram úteis, mas que possuem potencial). Já aqui no Brasil, dificilmente você vai conseguir um cheque de US$ 100 mil como Page e Brin conseguiram – pelo menos não antes de criar um protótipo para tornar o negócio um pouco mais tangível para potenciais investidores e clientes. Um protótipo mostra o mínimo de comprometimento pelo fato de você ter investido seu próprio tempo antes de pedir dinheiro dos outros.

Seu protótipo não precisa ter muita coisa. Basta usar Axure, Powerpoint, HTML ou mesmo papel para criar um mockup ou wireframe – o importante é mostrar o processo, dar noção da manipulação, fluxo de navegação, informações de alto nível e os principais conceitos do produto. Isso será imprescindível para começar a validar suas idéias junto aos diferentes públicos, e custa bem menos do que fazendo um software funcional para ter feedback direto do cliente. Veja um exemplo aqui e um bom tutorial aqui para produtos Web, além da ótima experiência com mockups que o Flowtown demonstra no vídeo abaixo.

Com um protótipo tangível e uma boa dose de feedback de usuários, você poderá começar a descobrir os itens que irão influenciar a monetização, custos e despesas da sua operação futura. Considere isso seu para-casa do valuation.

3. Do protótipo ao produto: exercite o valuation.

Agora que você testou o seu protótipo por meses, finalmente consegue enxergar um produto que se mostrou viável. Durante esse tempo, há uma boa chance que você tenha contratado um designer, desenvolvedores ou ao menos pedido favores aos amigos para ajudarem na sua busca pelo Santo Graal. Isso significa que você já está em operação, mesmo que informal: há prazos para cumprir, e coisas que você deixou de fora porque não tinha pessoas suficientes.

Nesse ponto, ao invés de ligar sua camuflagem e andar escondido com uma ideia debaixo do braço, você deve mostrar seu protótipo ao máximo de pessoas que puder – não só entre seus clientes-alvo, mas também outros perfis potencialmente interessados (parceiros, distribuidores, entre outros). Faça o produto mais simples que puder, mas que permita extrair o máximo de aprendizado do seu público com o menor esforço possível. Esse processo é o único capaz de lapidar seu protótipo ao ponto de chegar a um MVP – Minimum Viable Product, ou produto minimamente viável.

A partir do MVP, você é capaz de exercitar diferentes cenários de receita e volume de mercado. Por exemplo, usar a precificação X reduz clientes mas aumenta a margem por cliente, enquanto o modelo de precificação Y faz com que mais clientes paguem menos, mas seja possível ganhar mais na cauda longa. Esse é o momento em que você mais precisa exercitar o valuation, mas ao mesmo tempo começa a se sentir confortável para calculá-lo. Trata-se também do melhor momento possível para fechar um acordo com investidores, pois com um aporte você estará prolongando o tempo de estudo do produto e testando modelos de negócio mais ou menos escaláveis.

4. Do produto ao product/market fit: garanta seu valuation.

O conceito de Product/Market fit é simples: os clientes estão pagando pelo seu produto em uma proporção quase maior do que você consegue entregá-lo, e o dinheiro está deixando sua conta bancária bem gordinha.

Calcular quanto sua startup vale nesse ponto é simplesmente um exercício de valores em uma planilha Excel. Você já tem todos os dados necessários, conhecimento histórico e as rédeas do negócio na mão: agora preocupe-se em expandir sua receita e pergunte-se se você precisa mesmo de investimento externo.

5. Do market-fit ao market-share: você já sabe quanto vale.

Esse é o ponto em que você é capaz de dizer “nós temos X% do mercado”. Seu projeto começa a deixar de ser uma startup e passa a despertar interesse em fundos de venture capital um pouco maiores. Nesse momento, fazer um valuation é o menor dos seus problemas – você estará atrás de investimentos para fazer fusões, comprar empresas concorrentes ou expandir sua operação para outros países.

Conclusões

O mais importante sobre valuation é saber onde ele se encaixa, e em que parte do ciclo sua startup está. Não adianta entrar na hora errada, porque isso só vai gerar desgaste, ansiedade, perda de tempo e muito pouco aprendizado. Seguir o ciclo proposto – ideia, negócio, protótipo, produto, product/market fit – irá ajudá-lo a trabalhar mais focado e com menos percalços.

Concluindo então: o valuation é quase irrelevante até que um protótipo funcional esteja disponível para obter o feedback dos primeiros usuários. Quando o produto começa a tomar forma (fases 3 e 4) ele é capaz de obter receita e começa a balizar os dados necessários para um valuation de verdade. No decorrer dessas fases, as diferentes mudanças na estratégia do produto (os pivots) só se justificam se aumentarem o valuation prévio – caso contrário, dê um passo atrás e replaneje. Quer que repita? Valuation de verdade, só na fase 4; no decorrer da 3, ele pode ser uma tentativa válida. Até lá ele será somente um chute: você pode ser muito bom e errar, ou pode não ser tão bom mas acertar.

Para terminar, se você já viu “The Hudsucker Proxy” dos Irmãos Coen, pode sentir que receber investimento para sua startup é um pouco como o caso retratado pelo filme.

  • O pitch. Tim Robbins passa boa parte do filme mostrando a todos um papel com um círculo desenhado, claramente surpreso quando as pessoas não entendiam sua idéia. No vídeo abaixo ele já tinha treinado seu pitch na língua dos VCs e o apresenta ao Conselho (veja até 00:35). Lembre-se: você precisa convencer pessoas com mentalidade diferente da sua de que seu produto funciona.
  • O pré-julgamento. Conselheiros, assim como investidores, sempre tentam prever tudo sobre o mercado. Eles fazem um esforço sincero entre 00:35 e 1:07 no vídeo, bombardeando o empreendedor com tudo que ele não havia pensado sobre o produto, sua aceitação e operação.
  • A isca. Um dia você irá encontrar um ou mais investidores que influenciam o restante da banca de avaliação, e são justamente esses – por razões nem sempre sinceras ou claras – que podem fazer você conseguir um sim ou um não. Vejam o que Paul Newman faz entre 1:09 e 1:40.
  • A pegadinha. Claro, você é o empreendedor… e na hora em que consegue uma aprovação, uma nova leva de problemas começa. Veja o porque entre 1:40 e 1:55.

O restante do vídeo é divertido como alegoria ao processo de aprovação, fabricação, marketing e definição de preço do produto… O filme inteiro, provavelmente disponível na sua locadora, vale a pena porque permite ver a mentalidade do jovem empreendedor mudando ao longo do tempo (moldado pela realidade dura das empresas).

Agora responda: a partir de que ponto do vídeo você enxerga ser possível fazer um valuation útil desse produto? Isso é muito diferente da realidade de qualquer outro produto a ser colocado no mercado? Pense um pouco sobre isso tudo e tente situar o seu caso na linha do tempo. No próximo post, falaremos finalmente sobre métodos de valuation.

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