Recentemente ajudei a organizar o Desafio Brasil 2010, competição de startups conjunta da Intel e FGV, esse ano também com apoio da Microsoft. Além do Desafio ser uma boa amostra do ecossistema brasileiro de startups, o mercado de venture capital brasileiro é muito pequeno – por isso, praticamente todos os VCs interessados em tecnologia estavam lá. Decidi então criar esse post para resumir as três conclusões a que cheguei convivendo com investidores e empreendedores ao longo do Desafio 2010.

#1 – 2010 é o ano zero

A qualidade média dos projetos está aumentando. O foco dos empreendedores está melhorando. Em 2010, temos muito mais exemplos de:

  • Pessoas físicas querendo se tornar investidores-anjo
  • Investidores-anjo tentando se organizar em grupos
  • Grupos de Angels tentando arriscar um pouco mais, investindo mais cedo nos empreendedores que se destacam
  • Empreendedores que começam a falar de métricas, customer acquisition costs e retorno sobre investimento em seus projetos
  • Projetos de startups que aparentemente definem bons modelos de negócio
  • Modelos de negócio que podem até ser cópias de modelos estrangeiros, mas alguns que conseguem inovar radicalmente – apesar de ainda não serem provados
  • Cada vez mais fundos de capital semente se preparam para entrar em operação

Tudo isso é um indicativo de que estamos em meio ao ano zero do mercado de capital semente em tecnologia no Brasil. Sim, o Criatec já fez investimentos, a Confrapar e FIR também, mas isso não é um mercado – são atuações pontuais. 2010 foi o primeiro ano em que se falou de investimentos concretos de grupos de angels em startups iniciantes e ainda não-provadas (Descomplica, Navegg, entre outras) e o mais importante: o primeiro ano em que vi diversos investidores-anjo assediarem CADA UMA das empresas que se apresentaram no Desafio.

#2 – A startup média ainda não está pronta

Pouquíssimas startups entre as 24 semi-finalistas do Desafio realmente fizeram pesquisas junto aos seus usuários finais para saberem se o produto realmente os atende, e como. Tirando alguns exemplos claros de empreendedores experientes ou que estão resolvendo problemas com os quais eles mesmos precisam conviver – e acredite, nem todos eram capazes de verbalizar o que exatamente era seu produto – um único caso é digno de nota: a Tesla.

A Tesla é uma equipe de estudantes de Salvador (Bahia) que inventou um cartucho adaptável em impressoras jato-de-tinta. O que esse cartucho faz? Ao invés de imprimir a cor preta, imprime em braille. Isso pode ajudar no dia a dia de deficientes visuais não só na leitura de textos, mas também de imprimirem gráficos e imagens táteis, ou etiquetarem coisas dentro de casa (imagine-se tateando no escuro tentando decidir se uma lata é de ervilha ou de milho). Que diferença isso faz? Muita, se você é deficiente visual e pode melhorar um pouco mais sua vida a um custo menor que R$ 500.

Por que eles são um bom caso? Porque não têm experiência nenhuma em empreendedorismo – apenas precisavam fazer um trabalho na faculdade. E o que eles fizeram? Assumiram o que todo empreendedor deveria assumir: “Vamos procurar nosso cliente final e perguntar como isso pode ajudar”. Após muitas entrevistas com deficientes visuais e alguma pesquisa de mercado, encontraram algo que pode fazer diferença.

E se poucas startups conseguem definir bem seu cliente e o que ele precisa, poucas podem falar de verdade do potencial de receita de seus modelos.

#3 – A descentralização dificulta o crescimento

Hoje, podemos considerar cinco grandes centros de empreendedorismo tecnológico no Brasil: Recife, o eixo São Carlos-Campinas-São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre e Belo Horizonte. Rio de Janeiro e Curitiba começam a despontar e já trazem ótimos exemplos – como os cariocas Videolog, Camiseteria, Descomplica, e os curitibanos do Meadiciona, Navegg e Kidux. Mesmo assim, estamos longe de transformar qualquer uma dessas regiões em um mini-Vale do Silício com grande amplitude de capital disponível – e isso torna impossível considerarmos um único grande Vale do Silício multi-região.

Por isso são tão importantes os eventos que reunem empreendedores e investidores vindos de diferentes regiões. Por exemplo, estaremos em Porto Alegre no dia 28/9 para o 1.o Startup Meetup da região (registre-se aqui) tentando continuar nossa série de encontros pelo Brasil. A triagem de projetos feita pela Aceleradora ajuda a conectar empreendedores de várias regiões entre si, mas isso ainda é muito pouco. É preciso fazer bem mais que isso, e nossa parte já está planejada para 2011.

Conclusões

O ano zero brasileiro equivale a 20 ou 30 anos de atraso em relação ao mercado de seed money americano, se não for mais que isso. Temos um longo trabalho pela frente… É preciso que todos os investidores (tendo ou não um pipeline eficiente de projetos) façam algo pelo ecossistema: patrocinem eventos, patrocinem viagens, dêem mais atenção aos empreendedores que ainda estão em busca de projetos viáveis (ao invés do costumeiro “me avise, vamos tomar um café”).

Esse é meu recado para os senhores Eric Acher (Monashees), Simon Olson (FIR), Francisco Jardim (Criatec), Francisco Perez (Inseed), Martino Bagini (Astella), Carlos Guillaume (Confrapar), Humberto Matsuda (Performa), Ernesto Weber (Gávea Angels), Luiz Bruzadin (SP Anjos) e às empresas que desejam oferecer apoio, como a Microsoft, IBM, Intel, HP e outros. Incluam em sua agenda diária algo que movimente o ecossistema como um todo e de forma abrangente, não atendendo somente aos excelentes empreendedores mas também aos que precisam de ajuda. Essa é a hora de vocês saírem do lugar.

Pode ser que não precisemos de 30 anos para chegarmos a um ponto similar aos EUA. O movimento de Mini-VCs e Super-Angels aconteceu no último ano e meio, mudando completamente a cara do capital de risco do Vale do Silício. Esse movimento é capitaneado por caras como Dave Mcclure, Chris Dixon, Eric Ries, Brad Feld, David Cohen e o veterano Paul Graham. Para entender o novo mercado americano de capital de risco em tecnologia e compará-lo ao Brasil, passe a próxima meia hora vendo um de seus protagonistas: Naval Ravikant. E pense a respeito.